É célebre a frase de Santo Agostinho: “Fizeste-nos para ti, e inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em ti”. O homem se converte, encontra sua plena realização, repousando na medida em que busca o Amor que é Deus. Portanto, didaticamente podemos pensar que Deus nos criou com defeito, com um buraco, que só pode única e especificamente ser preenchido por Ele. Nossa alma tem sede de Deus, como está escrito Livro do Salmos 41,3 “Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo”.
Deus nos criou com um desejo: uma sede que só é saciada por Ele. Entretanto, o pecado tem o poder de perverter essa vontade e conduzi-la do tudo (que é Deus) para o nada.
Portanto, quando o homem peca, ele na verdade está buscando a Deus de uma maneira distorcida pois deseja preencher seu vazio interior, mas cai na enganação, pois o pecado nunca poderá nos preencher. Como nos explica Santo Agostinho:
“É assim que o homem peca, quando se afasta de Ti e busca fora de Ti a pureza e a limpidez, que ele não pode encontrar senão voltando para Ti. Todos aqueles que se afastam de ti e contra Ti se rebelam, a Ti estão imitando de forma pervertida. Ainda que imitando-te desse modo, mostram que és o Criador do universo e, portanto, que não há para onde possamos nos afastar totalmente de Ti”. (Confissões Livro II – Cap. 6)
Sendo assim, ao invés de repousar no Amor e ser elevado, o homem se depara com seu próprio vazio e miséria.
Vemos isso claramente com o Pecado Original. Adão e Eva procuraram a Deus de forma distorcida. Em vez de humildemente receberem todo o amor do Criador, participando assim da Divindade de Deus, eles escolheram “ser como deuses”. (Gn 3,5). Mas apenas Deus pode dizer: “Eu sou aquele que sou”. (Ex 3,14).
Então, enganados pela serpente que convenceu Eva de que Deus era seu inimigo, eles comeram do fruto proibido. E assim o mal continua atuando sobre a humanidade, distorcendo para os desejos malignos a vontade que o próprio Deus colocou em nosso coração para atuar como um trampolim para Ele:
“Senhor, Tu és justo. Nós porém, pecamos, cometemos a iniquidade, procedemos impiamente, e Tua mão pesou sobre nós. Fomos entregues com justiça ao pecador antigo, ao príncipe da morte, já que persuadiu nossa vontade a conformar-se com a dele, a qual não permaneceu na tua vontade”. (Confissões Livro VII – Cap. 21)
Distorcendo nossa sede de Deus para o vazio, a superficialidade. Mentindo, convencendo os homens de que Deus não quer o nosso bem. A palavra de Deus diz que aqueles que assim procedem são filhos do demônio, pois cumprem com seus desejos contra Deus:
“Vós tendes como pai o demônio e quereis fazer os desejos de vosso pai. Ele era homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade, porque a verdade não está nele. Quando diz a mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira.” (Jo 8, 44)
Assim como, aqueles que fazem a vontade de Deus são filhos de Deus e a Ele buscam se assemelhar:
“Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é que me ama. E aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele.” (Jo 14,21)
“Os justos são tanto mais parecidos com os elementos superiores da criação, quanto mais se tornam semelhantes a Ti. E procurando o que era a iniquidade compreendi que ela não é uma substância existente em si, mas a perversão da vontade que, ao afastar-se do Ser supremo, que és Tu, ó Deus, se volta para as criaturas inferiores; e, esvaziando-se por dentro, pavoneia-se exteriormente”. (Confissões Livro VII – Cap. 17)
Não importa de que forma distorcida o homem busque ser saciado, ele só encontrará a plenitude quando a sua vontade estiver em conformidade com a vontade de Deus. Quando tudo em sua vida estiver voltado para Deus, quando tudo transcender, ter a Deus por fim.
Santo Agostinho relata-nos em suas confissões a libertação que ele viveu ao afastar-se das falsas delicias que o aprisionavam:
“Quão suave se tornou de repente para mim a privação das falsas delícias! Eu que tanto temia perde-las, senti prazer agora em abandoná-las. Tu, ó verdadeira e suprema suavidade, as afastava de mim”. (Confissões Livro IX – Cap. 1)
E nos dá um alerta para estarmos sempre atentos, pois:
“Da vontade pervertida nasce a paixão; servindo-se à paixão, adquire-se o hábito, e, não resistindo ao hábito cria-se a necessidade”. (Confissões Livro VIII – Cap. 5)
Se não refrearmos logo no início a vontade pervertida em nós e cedermos a ela, ela logo se tornará uma necessidade muito mais difícil de combater.
Roguemos, pois, a Deus a fim de que a nossa vontade sempre esteja em conformidade com a vontade de Divina. Pois queremos que o nosso coração seja saciado e repouse no Senhor, e desejamos ser encontrados entre os filhos de Deus, que buscaram ama-Lo profundamente e não entre os filhos do demônio que contra Deus se revoltaram. Santo Agostinho, rogai por nós!
Para finalizar, concluímos com Papa Emérito Bento XVI que sabiamente disse:
“Quem faz entrar Cristo, nada perde, nada absolutamente nada daquilo que torna a vida livre, bela e grande. Não! Só nesta amizade se abrem de par em par as portas da vida. Só nesta amizade se abrem realmente as grandes potencialidades da condição humana. Só nesta amizade experimentámos o que é belo e o que liberta. Assim, eu gostaria com grande força e convicção, partindo da experiência de uma longa vida pessoal, de vos dizer hoje, queridos jovens: não tenhais medo de Cristo! Ele não tira nada, ele dá tudo. Quem se doa por Ele, recebe o cêntuplo. Sim, abri de par em par as portas a Cristo e encontrareis a vida verdadeira. Amém”.