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Santa Leitura: “Auto da barca do inferno” de Gil Vicente

Seja Bem-vindo à uma Exposição Meditada do Apostolado Santa Leitura!

Hoje trazemos sobre o livro “Auto da barca do inferno” de Gil Vicente.

Fica claro que, a exposição não substitui a leitura do livro, mas é um impulso para que a alma a busque e se aprofunde nela. Boa leitura!

O livro é, na verdade, uma peça de teatro, escrita em forma teatro-poema, seu autor é considerado pai do teatro português. O autor traz através do humor expresso no livro (o qual é muito gostoso de ler e engraçado) a moral católica, o que ficou conhecido como “Ridendo castigat moris” ou seja: Rindo, castigam-se os costumes. Gil acreditava que através do humor levaria as pessoas a perceberem seus maus costumes. A linguagem do livro é muito antiga, o que é bom porque precisamos ler prestando muita atenção e temos a chance de conhecer muitas palavras. O livro não será visto com um olhar histórico (como é possível que seja visto), mas com um olhar de “o que podemos aprender com isso?”

Na estória existem duas barcas, uma em que há um anjo que leva as almas para o céu e uma que há um diabo e seu companheiro que as leva para o inferno. A trama toda se dá em qual destino cada uma das almas irá ter.

O primeiro é Fidalgo, seu pecado é a ganancia, tenta convencer o anjo para entrar em sua barca e o anjo o diz “Pera vossa fantesia mui estreita é esta barca” ou seja: “Para vossa vaidade, muito estreita é esta barca” e Fidalgo diz que confiava em seu status social e não percebia que, na verdade, se perdia. Quantas vezes nós também estamos tão carregados (nem sempre de dinheiro, mas de coisas supérfluas e egoístas) que faz com que seja impossível passarmos pela porta estreita (cf. Mt 7, 13-14), quantas vezes confiamos em coisas supérfluas e não vemos que na verdade nos perdemos. Fidalgo entra na barca do diabo. Existe muito de nós em Fidalgo, ele não teve tempo, nós temos tempo para mudar de vida.

O segundo é Onzeneiro, um agiota (emprestava dinheiro e cobrava juros, a usura era condenada pela Igreja), a ele o diabo se refere como “meu parente”, ele tenta entrar na barraca do anjo e o anjo diz que sua bolsa (de dinheiro) tomaria todo navio, ele então diz que a bolsa vai vazia e o anjo diz que o coração não. Onzeneiro pede ao diabo para voltar à terra, e encher sua bolsa de dinheiro para o anjo. Onzeneiro estava tão perdido que o próprio diabo o chama de parente, dói pensar que no fim de nossas vidas pode ser que quem nos reconheça não seja o Senhor, mas o diabo e ainda que o demônio nos diga “sangue do meu sangue” tamanha pode ser nossa proximidade com ele. Onzeneiro é condenado.

O terceiro foi Joane, o Parvo (significa limitado de inteligência, parvo era uma pessoa tola/idiota), era um homem humilde e simples, quando o diabo o pergunta do que ele morreu ele responde que talvez de diarreia, o Anjo diz que a simplicidade dele foi o suficiente para que ele gozasse dos prazeres do céu. A particularidade de Joane é que ele não representa simplesmente uma pessoa pobre, porque isso não garante céu a ninguém, mas representa os pobres de coração, os quais o Senhor prometeu o céu no Evangelho: “Bem-aventurados os que têm um coração pobre, porque deles é o Reino dos Céus!” (cf. Mt 5,3). Joane é salvo, que Deus nos conceda essa grande graça.

O quarto foi um Sapateiro, que explorava seus clientes, ao se dirigir a barca do diabo, com ironia o diabo o chama “Santo sapateiro honrado!”, o diabo diz a ele que ele vai para o inferno e ele retruca “Como poderá isso ser, confessado e comungado?”, querendo dizer que como poderá ele ir para o inferno sendo que havia confessado e comungado antes de sua morte. O diabo então diz que, o Sapateiro não morreu em comunhão com Deus pois no seu trabalho roubava os clientes e omitiu isso em suas confissões. O sapateiro pergunta do que valeram as ofertas que ele deu a Igreja e as orações pelas almas que ele fez, e o diabo o recorda de seus roubos, mostrando que nada nos adianta aquilo que é “exterior”/nossas boas ações sendo que não somos pessoas convertidas interiormente, em todas ações e se somos mentirosos a ponto de fazer mau uso de um sacramento. O anjo diz que ele está escrito no caderno das listas infernais, o sapateiro é condenado.

Na quinta vez, foi um Frade franciscano segurando uma moça pela mão, entrou dançando e cantarolando. O diabo o pergunta se a dama que está com o frade é dele, o frade diz que sim e o diabo diz que ele fez muito bem, que ela é formosa e pergunta se no convento não o censuravam por isso, o frade diz que não, que todos faziam o mesmo e o diabo diz “que cousa tão preciosa”. Aqui fica claro o quanto o demônio ama o pecado e o quanto quer que nos danemos, para ele o pecado é lindo, é precioso. O diabo manda o frade entrar em sua barca e o frade pergunta se a batina dele de nada vale, o diabo o chama de padre mundano encomendado ao Diabo, o padre então lamenta “Ah, Corpo de Deos consagrado! Pela fé de Jesu Cristo, que eu nom posso entender isso! Eu hei de ser condenado? Um padre tão namorado e tanto dado a virtude!”, ao longo dos trechos o padre aparenta não entender como pode ser condenado tendo rezado tanto e apenas “relaxado” com uma mulher. Muitas vezes pensamos da mesma forma: vivemos em Deus o que queremos, e no que não queremos, mentimos para nós mesmos dizendo que estamos só relaxando, e nos “martirizamos” nos colocando como coitadinhos. O padre então vai até a barca do anjo, e chegando lá Joane, que foi salvo, zomba de sua vida mundana e o anjo nem se quer fala com ele. O padre e a mulher que o acompanha são condenados por luxúria.

Na sexta vez foi Brísida, a alcoviteira (que significa que ela fazia intermédio para relações amorosas) ela traz consigo feitiços, joias e muitas coisas. Ela tenta ir para a barca do anjo mas o anjo diz a ela para não o importunar, ela começa a se comparar com os mártires dizendo que sofreu muito e se fazendo de coitada. Podemos aqui meditar sobre nosso julgamento, que tristeza nos seria se um Anjo de Deus pedisse a nós que não o importunássemos, que façamos de nossas vidas um louvor a Deus. Brísida é condenada ao inferno.

Na sétima vez veio um judeu, trazendo um bode nas costas (bode é parte dos sacrifícios da religião hebraica), o próprio diabo não quer que o bode vá em sua barca e nem o judeu e o judeu tenta convence-lo e diz “Porque nom irá o judeu onde vai Brísida Vaz? Ao senhor meirinho apraz?” (diz meirinho referindo-se a Fidalgo). Ele fica muito irado dizendo “Azará, pedra miúda, lodo, chanto, fogo, lenha, caganeira que te venha!”. O diabo então diz “Vós, judeu, ires à toa, que sois mui ruim pessoa. Levai o cabrão na trela!”, ou seja: ele fala que o judeu era tão ruim que foi de reboque em uma trela (lugar que se prendem animais do barco) separado de todos (quão ruim deve ser alguém para nem no barco do diabo ter um lugar para ela?).

Na oitava vez vai um Corregedor (um juiz que corrige os erros e abusos das autoridades e funcionários públicos). O diabo o convida a entrar na barca e ele se renega pela autoridade de seu cargo “À terra dos demos há-de ir um corregedor?” e começa a usar termos em latim, então o demônio diz que caso o corregedor não saiba ele também sabe latim, e manda o corregedor ir a sua barca (o que nos faz lembrar e meditar sobre como o demônio conhece as escrituras e a doutrina como ninguém, e que isso não faz alguém santo). O diabo o acusa de aceitar suborno. O corregedor então pede ao Senhor que se lembre dele e o diabo diz que já não há mais tempo pois ele foi desonesto em seus julgamentos. Estando o Corregedor lá chega também um Procurador o diabo o manda entrar e diz que ele será um bom remador para a barca. O procurador diz não ter se confessado e que não cuidou do mais importante, já o Corregedor diz que se confessou mas omitiu, porque se ele contasse o confessor o mandaria devolver o dinheiro e ele disse que era muito ruim devolver depois que roubou. Encontramos aqui a chave do pecado: existiam outras coisas em primeiro lugar: o procurador admite ter descuidado do que existia de mais importante (sua comunhão com Deus) e o corregedor colocava outras coisas a frente de Deus, de modo que, mesmo sabendo que deveria confessar, para ele era mais importante o que iriam pensar dele do que sua vida eterna; e para nós, o que vale mais? O procurador diz em latim que tem fé em Deus e por isso não entra na barca do diabo logo, o que mostra que ele também tinha uma visão errada de Deus, achava que poderia ser deus de Deus e convencer Deus de leva-lo ao céu mesmo tendo sido desobediente, ele acreditava em uma falsa misericórdia, a qual não condiz com Nosso Senhor, eles então, tentam convencer o anjo e não conseguem, o anjo diz que a justiça divina os manda ao inferno. O corregedor e o promotor são condenados ao inferno.

Vem então, um homem que morreu condenado e foi enforcado. O diabo o pergunta o que Garcia Moniz (uma pessoa importante da Corte) disse sobre ele, o enforcado diz que ele disse que os feitos dele o fariam canonizado, que ele era bem-aventurado, que com São Miguel comeria pão e mel, e durante a conversa diz até que o Garcia falou que nem pelo purgatório ele passaria. O diabo diz então que se ele tivesse tomado tudo o que disse Garcia como verdade ele com certeza se salvaria. O enforcado entra na Barca do diabo e é condenado por falta de fé na graça de Deus.

Na última vez vão quatro Cavaleiros, cada um com uma Cruz na mão, eles haviam morrido em defesa da Santa Igreja nas Cruzadas e recebido por esse motivo indulgencia. Quando chegam vão andando em direção a barca da vida, o diabo então os diz “Cavaleiros, vós passais e não perguntais onde is?”, então os cruzados mandam ele prestar atenção com quem ele fala, que ele nem sequer os conhece bem que eles morreram além da beira mar e que o diabo não queira saber mais. O diabo então diz “Entrai cá! Que cousa é essa? Eu nom posso entender isto!”, os cavaleiros dizem que quem morre por Jesus não entra na barca do inferno, eles caminham até a barca do anjo, o qual diz que estava esperando por eles, que são livres do mal, mártires da Igreja, dignos do céu. Eles embarcam com o Anjo.

Dessa profunda forma termina o livro, com homens fortes, de fé e corajosos que deram tudo em defesa da Santa Igreja, que nesses modernos tempos possamos ter a mesma audácia desses Cruzados.

Salve Roma! Fique com Deus.

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